Alex Steffen

Desastrando a própria lenda

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A esposa ainda não se recuperara de tantos incidentes ocorridos em poucos dias, para tanto havia viajado para a casa da sua família. Precisava de um tempo, mas não deixaria de amar o seu cônjuge de tamanho avantajado.

Ele, ainda que tristonho, aceitou a pedida da cara metade. Pensava, umbigalmente, em tudo que poderia fazer sozinho. Amava incondicionalmente, mas amava ainda mais a si próprio, afinal, lhe sobraria a outra metade da maça para devorar entre uma refeição e outra. Nada precisava dividir. Nada.

Vá lá, fez das suas peripécias. Caiu. Tropicou. Enfim, a sina de desastrado continuava. Isso, todavia, não lhe desmotivava. Era assim desde sempre. Assistira tevê. Olhava futebol e via o seu time vencer, mas é claro, não torcia para ele, pois caso isso ocorresse outra derrota avassaladora aconteceria. Era pé frio. Gelado.

Depois de muito “mais do mesmo” resolveu ir banho, afinal, para ter a primeira noite no colchão novinho precisava estar asseado. Olhou para a ducha e sorriu. O box de acrílico inexistia, ele o havia quebrado dias antes ao pisar na bucha vegetal que estava ao chão. Resolveu matar o banho. Não poderia correr o risco. Estava sozinho. E lá se foi, pra cama, sem banho mesmo.

Antes de deitar leu as orientações de INMETRO e percebeu que poderia engordar outros 100 quilos. Não havia risco algum de explodir o tal colchão. Deitou-se e entrou no vai e vai, feito ondas do seu novo leito. Diferente não seria, dormiu. A sequência normal deu-se. Derrubou toda a Floresta Negra, tão potente era o seu ronco. Foi aí que os cordeiros deram lugar ao mundo dos sonhos, mas até Morfeu saiu de perto, pois algo poderia acontecer.

Saíra do próprio corpo e adentrava um túnel do tempo. Tudo bem, não entalou no vão de entrada por mero detalhe, mas saiu todo arranhado. Regressou a 1969 e viu um casario bem antigo e foi espiar. Não tinha perigo de ser visto. Pairava no ar. Viu a própria mãe em uma cama repleta de palha de milho. Gritos e gemidos identificavam o trabalho de parto. Ele, observava tudo com grande curiosidade. Afinal, saberia como nascera. O pai na sala estava, unido a uma garrafa de pinga. A parteira ajudava com a tesoura pronta para atuar. E foi aí que tudo aconteceu.

Ouvia-se o choro abafado do balofo bebê. O pai trôpego veio ver o primeiro rebento. A mãe sorria e chorava ao mesmo tempo. A parteira – pobre velha – faria o que o manual indicava. Faria.

De tão emocionado ao ver o próprio nascimento, o nosso anti-herói deu um passinho frente. Esbarrou no criado mudo e, sabe-se lá como, o espírito era tão pesado quanto o dono que dormia no moderno colchão. E o esbarrão fez com que a vela caísse dentro da gaveta das meias. Segundos depois o cheiro do chulé queimado. A parteira toma às mãos a bacia cheia de água onde lavava o bebê e tentou apagar o fogo. Esqueceu, porém, de tirar o gorduchinho de dentro e lá se foi, bebê, bacia, água, cordão, tudo enfim. O pequeno caíra debaixo da cama com pinico, sem tampa, virado sobre ele. A mãe estava desesperada e esgualepada. O pai, fez o que lhe veio em mente: tomou mais um trago de pinga. A parteira decidiu se aposentar e o viajante do tempo resolveu que era hora de voltar, pois do jeito que andava a onda de azar, o bebê voltaria pra dentro da mamãe para nunca mais vir a este mundo cruel.

Acordou, em um rompante, respirou fundo. Tomou um gole de água, diretamente do vaso de flor, engasgou com o espinho a roseira e respirou fundo. Estava bem, desastradamente vivo. O bebê não conseguira voltar ao ventre. Ainda bem, para ele. Azar do mundo…

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